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terça-feira, 9 de março de 2010

Retour à la cuisine

Final de 2008, não muito depois da mudança de status no meu orkut, um pouco por culpa própria, outro tanto por opiniões pouco fundamentadas de grandes amigos paulistanos que haviam presenciado apenas um “arroz com feijão”, a pressão pra demonstrar meu talento com o manuseio das panelas tem início. Nesse período havia um impeditivo técnico, a falta de estrutura do meu “cafofo” me trazia certo conforto momentâneo.

Nos meses subsequentes tive a clareza que a tarefa não seria nada fácil. Considerar algo bom ou ruim, bonito ou feio, interessante ou não, ou qualquer outro adjetivo que possamos imaginar, depende substancialmente de uma referência, um padrão. Nos doze meses seguintes tive noção do referencial que teria pela frente. Conheci dois verdadeiros Chefs de cozinha, dois estilos tão diferentes quanto geniais no ambiente adjacente à copa. Do simples ao requintado, ambos perfeitos na escolha, no preparo e na execução, um deles com um senão no pós implementação, profundos conhecedores do assunto. Estava diante dela, a tal referência. A oportunidade também estava ali, viabilizada pela observação, e eu não a deixaria escapar de jeito nenhum.

O miojo de galinha caipira é a primeira memória viva que tenho em frente a um fogão de quatro bocas manual. Ferva a água, adicione o conteúdo por 3 minutos, passe num coador e adicione o pozinho mágico, rá! O toque final algumas vezes foi com salsicha sadia fatiada, um ar de sustância na refeição antes do ônibus rumo a universidade. Um pouco por necessidade, muito porque realmente gostava da tal caipira do Sr. Lamen.  Não tenho sucesso ao precisar o momento de despertar do meu prazer pela culinária, mas arrisco dizer que há ligação com minhas origens italianas. Massa era tema recorrente do meu limitado menu, talvez o mais refinado e barato que eu conhecia até então. Nas vezes em que ela se ausentava, assava ou grelhava um animal qualquer com acompanhamentos tradicionais. E já iam-se anos que eu não girava o botão escolhendo entre fogo baixo, médio ou alto e apertava o outro pra faísca acender, creio que pelo menos quatro primaveras.

Miséria pouca é bobagem, como se diz no interior do país. Já não existiam mais desculpas e, embora a pressão já fosse muito mais minha, resolvi que o retorno teria que ser ousado, temperado. Minha cliente nesse dia está para o camarão assim como o tio Patinhas está para o dinheiro, incluindo aquele giro rápido dos olhos com o sifrão.
Obs.: Eu poderia substituir o fruto do mar pela gelada do freezer na metáfora, sabendo que ela não me recriminaria pois apreciamos juntos e com prazer tal “vício”.

Jogue tudo isso em uma panela de aço inox com tampa de vidro e respiro, tempere com a expectativa da mulher da sua vida, está montado o cenário de uma tarde de sábado num fim de semana qualquer de janeiro de 2010.

Era arriscado ir direto ao fundo do mar sem bomba de oxigênio, considerando que não tinha passado de um espaghetti bolonhesa, mas assim seria. Nada poderia ser fácil, acompanhamento proibido a base de um bom arroz selvagem. Saborosa cerveja importada Duvel e Amy Winehouse no vocal ambientavam o local no meu retorno triunfal. Ou não, se Caetano puedesse me aconselhar.

Eu nunca tinha pescado um camarão, quanto mais aquele habitante da bela e Santa Catarina. Jamais havia comprado sequer um arroz selvagem, tive que pedir ajuda a um assistente no Pão de Açúcar. Até minhas panelas estavam aflitas, tímidas diante de desconhecidos. Instrumentos cirúrgicos comprados na boca do caixa à mão, eu plenamente a vontade ali, no comando da cozinha e da situação.

Regado a boa prosa e degustação cervejeira, saiu! Demorou, de fato muito mais a  decidir encarar o desafio que efetivamente executar o planejado no dia anterior. Com toque da caulinária indiana, pinceladas da história da China, pesquisas via Google e observações atenciosas de um aprendiz de feiticeiro, meu retorno tinha cara, cheiro e sabor.


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